“Se ninguém quiser ouvir Bossa Nova no Brasil, tudo bem, o mundo vai continuar escutando.”

ENTREVISTA COM CLAUDETTE SOARES

A primeira vez que encontrei Claudette Soares foi nos estúdios de TV, quando lancei meu livro em São Paulo, e dividimos a programação do mesmo dia no Todo Seu de Ronnie Von. No mesmo dia conheci o Principe, Claudette e Caçulinha, que a acompanhou ao piano. Três lendas da TV e da música brasileira em uma noite. A segunda vez foi ao mediar um seminário sobre Bossa Nova, em Belo Horizonte, do qual Claudette era uma das convidadas pra contar a historia do movimento que mudou a cara e a batida da música popular brasileira. Em ambas as ocasiões, me chamou a atenção a sua energia cintilante. E foi com a mesma alegria que a cantora me atendeu ao telefone, se lembrando de mim na hora ou, pelo menos, sendo muito gentil para agir como se lembrasse. Claudette Soares, uma das maiores intérpretes da musica brasileira, a cantora predestinada que começou uma longeva carreira aos 11 anos de idade nos programas de rádio, se transformou na princesinha do Baião ( “tem sempre uma alma penada pra me chamar assim”), que participou do histórico primeiro show da bossa nova, A noite do sorriso, do amor e da flor, em 1960, que lançou compositores como Gonzaguinha e Taiguara e popularizou músicos como Cesar Camargo Mariano, a carioca que levou a Bossa Nova pra São Paulo, e imprimiu um jeito próprio e macio de cantar o gênero, chega aos 85 anos em plena atividade. Grava atualmente novo álbum de inéditas, em breve estreia o espetáculo O Amor, ao lado de Marcio Louzada, com direção de Jorge Takla e texto de Gabriel Chalita, e lança single cantando ao lado de Chico Buarque pra comemorar os 55 anos de Gil, Chico e Velloso por Claudette, álbum tributo lançado em 1968, ano de chumbo da ditadura, quando os compositores estavam exilados. O single Cadê Você, produzido por Renato Vieira e Thiago Marques Luiz , é uma parceria de Chico Buarque e João Donato que chega às plataformas digitais no dia 15 de setembro pela Kuarup. Imagine se eu poderia imaginar estar fazendo tantas coisas depois dos 80 anos! E graças a Deus cantando direitinho”.

Acompanhe a entrevista com Claudette Soares  realizada no dia 12 de setembro de 2023 às 15horas de uma tarde quente de primavera meio bossa nova.

DZ: Claudette, são 55 anos do álbum Gil, Chico e Velloso. Hoje, parece ser uma escolha natural, diante da relevância que o tempo deu aos três compositores. Mas, voltando no tempo, como foi isso? Porque você foi a primeira interprete a gravar um disco-tributo aos três em 1968.

Claudette Soares: Ah, o universo sempre conspira a meu favor, querida ( risos). Eu estava na Philips (gravadora) e meu produtor era na época o maravilhoso Manoel Barenbein, que, assim como eu, sempre gostou de inovações. O João Araújo, que era o diretor da gravadora, ficou maluco, disse que íamos ter que pagar tudo, que a Censura não ia deixar o disco passar. Era 1968, o auge da repressão política. Chico, Gil e Caetano estavam indo embora. Gil foi inclusive o único a gravar no disco, porque era o único que ainda estava no Brasil. Mas nós topamos e encaramos o risco. O censor ouviu e acabou liberando porque eu cantava de um jeito diferente, eu sussurrava, e o disco acabou saindo. O João ( Araújo) ficou feliz porque o álbum foi liberado e hoje é um disco cultuado. Gil, Caetano e Chico só tomaram conhecimento  do resultado do disco quando voltaram ao Brasil, anos depois.

DZ: O seu jeito de cantar era considerado menos subversivo?

Claudette Soares (risos) Parece que sim.  Eu cantei Taiguara até o fim da vida por causa do meu jeito de cantar. A Elis era pequenininha como eu, mas tinha um canto forte, politizado. Como eu sussurrava, pra eles eu não ameaçava .

Gil, Chico e Velloso por Claudette, álbum que completa 55 anos em 2023

DZ: Você está lançando o single que gravou com o Chico (Buarque), parceria dele com o João Donato, Cade Você, com produção de Renato Vieira e Thiago Marques Luiz que celebra os 55 anos deste álbum. Como surgiu essa ideia, de gravar com o Chico?

Claudette: Seria lindo fazer um segundo disco, mas hoje em dia isso seria dificil. Imagine você, um disco que fizemos com duas Orquestras! Das canções do álbum de 68, 4 foram gravadas com o Cesar Camargo Mariano ( as canções do Chico), 4 com a Orquestra do Rugerio Duprat ( as canções do Gil) e 4 com a Orquestra do Julio Medaglia ( as canções de Caetano). Aí o Renato Vieira, um dos produtores do projeto, teve essa ideia, de gravarmos um single com o Chico. E foi maravilhoso! Passamos uma vez a música e já gravamos, porque nossa geração é assim, a gente acredita na emoção do momento. A ideia é gravar um com o Gil e outro com Caetano.

DZ: O João Donato chegou a ouvir a gravação ?( Joao Donato morreu aos 88 anos em  julho)

Claudette: Não, mas eu fiz um show há uns quatro anos e cantei essa música. Ele me viu cantando, porque o show era uma homenagem a ele, e gostou muito. Eu fico muito feliz por ele ter ouvido. Chico também adorou essa escolha, por ser uma parceria com o João, e, desta forma, uma homenagem a ele também.

DZ: E é a primeira vez que vc grava cantando com o Chico, embora vocês se conheçam há muito tempo. (desde a década de 60, quando ela cantava no João Sebastião Bar, famosa casa de música de São Paulo, e ele era um jovem arquiteto começando na música).Você queria  gravar uma musica dele , Marcha Para Um Dia de Sol, mas é verdade que a sua gravadora na época não apostou na música?

Claudette: È verdade! Todo mundo falava que essa musica era um perigo, por causa censura. O Chico ficava esperando alguém gravar, mas ninguém arriscava. E a gravadora sempre dizia que, por ser uma marcha, não “cabia” em um disco de Bossa. Alias, quando gravamos o single, recentemente, pedi desculpas novamente ao Chico por não ter gravado. Quem sabe eu ainda não gravo essa canção um dia?

DZ: Claudette, você é precursora em muitos aspectos: foi a voz da Bossa Nova em SP, apesar do movimento ser associado ao Rio, não se casou, ou se casou mais tarde e com um homem mais jovem, em uma época em que isso era um estigma, sobreviveu à Era do Radio,  se firmou na era da canção moderna, lançou  compositores como Gonzaguinha e Taiguara, além de músicos como Cesar Camargo Mariano, que fez sua estreia em um disco seu, em 63.O que move a interprete Claudette Soares?

Claudette: Olha, o que me move é a sorte (risos) .Acho que meu anjo de guarda é bom. Sempre sou procurada pra fazer coisas novas e eu embarco nisso,  porque me incomoda muito quando estou  na zona de conforto. Tenho poucos trabalhos em disco porque sempre escolhi meus repertórios desta forma. Minha historia é essa: sempre alguém me traz  uma boa ideia nova que me agrada e eu embarco. Não vou subir num trio elétrico pra cantar funk porque não tem nada a ver comigo. Nunca visei o sucesso imediato. Gravei samba rock do Jorge Ben Jor com arranjos do Cesar Camargo Mariano, gravei Roberto e Erasmo no auge da Bossa nova, gravei Gil, Chico e Caetano no auge da ditadura. Mas a gente não sabe que tudo isso vai se transformar em historia.

DZ: Por falar em historia, Ronaldo Bôscoli lhe deu o conselho  de deixar o Rio por São Paulo, dizendo que “no Rio você seria mais uma cantora de bossa nova, em São Paulo, um dia você poderá contar a sua história” como de fato você fez. Na sua opinião, como uma das vozes importantes do movimento, qual o lugar da Bossa Nova hoje? Você considera que ela tem – no Brasil- o valor que merece?

Claudette: Eu acho maravilhoso que a Bossa tenha saído do Brasil!  A Bossa Nova  ficou mais chique do que era, se isso é possível. (risos). O Brasil não sabe o que tivemos aqui. Era uma coisa tão moderna, tão linda… e passaram uma vassoura em tudo isso, fizeram uma campanha pra acabar com um movimento deste valor. Começou com “ isso não vai vender, não é popular” e por aí em diante. E ela provou que é uma música clássica brasileira. Ela é internacional. Isso prova que o Tom Jobim estava certo quando foi para os EUA.

DZ: Provavelmente…e até hoje ela é cercada de polêmicas, como se fosse elitista, uma musica feita por jovens da classe media do Leblon…

Claudette: A Bossa Nova é uma matriz musical. Se a Luisa Sonza fez uma bossa ( citando a recente polemica sobre  a música da artista ser ou não Bossa Nova), ela deve ter ouvido um Tom Jobim em algum momento, concorda? Então pode ser que nada esteja perdido.  Eu tive caixas de álbuns meus  lançadas no Japão e na Europa. Sabe o que me disseram aqui? Que aqui não venderiam, seriam muito caras. Sabe o que  “ela” ( citando a si mesma), que nasceu no Dias das Bruxas, respondeu, amor? “ Lança não… ninguém quer ouvir, ninguém vai pagar? Então deixa. Se ninguém quiser ouvir  Bossa Nova aqui,  tudo bem, o mundo vai continuar escutando.  

DZ: Você participou do surgimento do baião, o auge da bossa nova e a era dos festivais. Como você analisa o atual cenário da musica brasileira?

Claudette: Olha, querida, eu sempre pensei assim: democracia musical é você ouvir tudo. Eu não sou radical. Na minha casa eu escuto o que eu gosto de ouvir. Mas sei quem são as pessoas, eu tento me atualizar. È sempre aquele tal de “a moda agora é só isso”. Eu faço meu trabalho. E vai ficar quem tiver que ficar. E quem ficar vai contar a historia.

DZ: Sobre o novo disco, com canções inéditas e produção de Marcus Preto. O que você pode nos falar sobre ele, Claudette?

Claudette: Eu já recebi musicas do Ze Renato, Nando Reis, Ronaldo Bastos, to sabendo que o Guilherme Arantes vai mandar musica pra mim, tem musica do Marcos Valle. Cada disco é um disco. Deve sair no ano que vem. Só consegui gravar uma música, por causa do espetáculo que vou estrear no final de setembro.

DZ:Obrigada pela entrevista, Claudette Soares.

Claudette: Eu que agradeço, querida. Quero te ver em Belo Horizonte quando me apresentar de novo aí.

Escute aqui o novo single de Claudette Soares e Chico Buarque:

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